quinta-feira, setembro 25, 2008

Qual é a tua primeira recordação?

Foi-me proposto um desafio, assim em tom despreocupado, mandado para o ar: - Qual é a tua primeira recordação? Sem dar bem por isso, estava já no processo, surpreendentemente fascinante, de recuar dentro da minha mente à mais antiga recordação que conseguisse. O acto de escarafunchar a mente é inquietante, pelo menos para mim foi. Não é coisa que se faça de ânimo leve. Fui afastando momentos que me surgiam do escuro - coisas de que me lembro com alguma regularidade, outras das quais não sabia que ainda me lembrava - sempre com a mais antiga das recordações no horizonte. Por vezes, deixei-me perder numas quantas memórias - que sentia não serem as que procurava -, mas a nostalgia da nossa infância é cativante e magnética. E deixei-me levar. Quando dei por mim, estava numa teia de recordações díspares, confusas e enubladas. Tive de me disciplinar, obrigar-me à objectividade, ao método. Para a eficiente realização deste exercício devem afastar-se, categoricamente, as recordações que sabemos não serem a que procuramos. O que é extremamente difícil, para não dizer impossível! E é aqui que reside o fascínio deste exercício. Levou-me a lugares dos quais nunca mais me lembraria, não fosse o embarque neste desafio. Depois de me auto-disciplinar, de me focar na objectividade do meu propósito, chegou a altura de dar nós às memórias. O que pode chegar a ser irritante. Muito à semelhança daquelas situações em que nos queremos lembrar de um nome - de um livro, restaurante, pessoa, seja o que for! - e não conseguimos. Está debaixo da língua, sabemos o que é, estamos a "vê-lo", queremos dizê-lo, mas não nos é possível concretizar. É o acto de escarafunchar a mente. De repente, assaltou-me do escuro da minha memória, aquela que considerei que cumpria o objectivo a que me tinha proposto - chegar à minha primeira recordação. A recordação em si não tem interesse nenhum, à parte de ser a primeira de que me lembro, e nada me garante que tenha escarafunchado a minha mente com suficiente dedicação para poder dizer, com absoluta certeza, que é esta a mãe das minhas memórias. Por agora considero que sim. É uma memória nítida no espaço: Jardim de Infância - João Pequeno, à Estrela. Não devia ter mais de três anos. Lembro-me perfeitamente onde estava, sentado num muro com mais dois putos como eu. A conversa era sobre o nome de um deles que por qualquer razão que me escapa - talvez fosse inglês, francês, não sei - nos prendeu a atenção. O conteúdo em si varreu-se-me. Mas não é, de todo, importante. O interesse deste exercício está no percorrer a nossa lista mental de recordações. Encontramos coisas que não sabíamos que ainda estavam por aqui. Por outro lado, intriga-me o facto de me lembrar de um momento tão desinteressante como este e não me lembrar de outros que à partida me seriam mais queridos.
E a tua primeira recordação qual é?

2 comentários:

amoliv disse...

A nossa própria mente nos atraiçoa ...
É facto que as memórias remotas são difíceis de sintonizar, tanto quanto o processo de pesquisa é a parte interessante da questão. Por outro lado, a quantidade de dados armazenados cresce proporcionalmente à idade, e não há gigabytes de massa cinzenta suficientes para manter tudo na zona de consciência - as nossas memórias são selectivas, relegando para a obscuridade do subconsciente uma quantidade de informação, geralmente aquela que se tornou mais importuna ou inquietante.
Verdadeiramente interessante é conseguir compreender esse mecanismo de selecção tipo recycle bin: é tão verdade que primeiro esquecemos as questões que mais nos incomodam, como é verdade que as mais persistentes no longo prazo serão precisamente as que, por qualquer motivo, tiveram em nós forte impacto emocional.

Também não posso nem imaginar o que terá tido de importante essa tua vivência do infantário com mais dois putos betos ... mas lá que te impressionaram, é facto irrecusável.

disse...

Tá bem abelha...fiquem para aí a congeminar...!